A impenhorabilidade do seguro de vida e seus efeitos

A penhora tem fundamental relevância em nosso ordenamento jurídico, uma vez que permite a satisfação de crédito pertencente ao credor por meio da apreensão de bens e valores do devedor.

No entanto, este instituto possui limitações que visam resguardar o essencial ao devedor, tornando, portanto, determinados valores e bens impenhoráveis, conforme previsão do artigo 833 do Código de Processo Civil.

No presente artigo trataremos exclusivamente do inciso VI, o qual dispõe a respeito da impenhorabilidade do seguro de vida. Abordaremos as questões atinentes exclusivamente à cobertura para o evento morte.

Os seguros em geral têm por finalidade principal a estabilidade econômica, seja pela reposição do bem, pela indenização ou pagamento do capital segurado. No que se refere ao seguro de vida, este tem como objetivo primordial resguardar financeiramente os beneficiários da apólice no caso do falecimento do segurado, o que torna evidente a função social deste contrato, tendo em vista que permite a reestruturação daquele que dependia do falecido, seja por vínculo familiar, empresarial ou por relação obrigacional, como por exemplo, no seguro prestamista, que visa garantir a satisfação de dívida em caso de falecimento do devedor.

Diante da relevância social deste seguro, a impenhorabilidade, primeiramente, visa proteger quantia que não pertencia ao patrimônio do “de cujus”, tendo em vista que este apenas desembolsou valores para pagamento do prêmio e o capital segurado é pertencente aos beneficiários, ou seja, nunca integrou nem integrará o patrimônio do falecido.

No que se refere ao sentido macro, da ótica do Estado, o seguro de vida, por meio do mutualismo, aumenta a poupança interna do país, uma vez que esta é composta, a grosso modo, pela soma da poupança privada com a poupança estatal, ou seja, conforme maior a estabilidade financeira do particular, maior será o saldo disponível para que o Estado invista interna e externamente.

Neste sentido, o seguro de vida acarreta segurança às famílias, que muitas das vezes não precisarão fazer uso de benefícios sociais por já estarem amparadas, não precisarão recorrer a programas governamentais, uma vez que a seguradora absorverá o impacto da perda do segurado. Ademais, toda a estrutura securitária gera empregos e o consequente desenvolvimento socioeconômico.

Outro ponto relevante é que este seguro não é apenas contratado no âmbito familiar, mas também no âmbito empresarial para garantia em casos de falecimento de sócios investidores ou mantenedores, o que pode evitar o decréscimo e até mesmo a falência de uma organização, uma vez que garante estabilidade financeira para que os sócios remanescentes encontrem soluções para se reorganizarem após o falecimento de membro importante da composição da empresa.

Ainda neste sentido, cabível mencionar o seguro de vida na modalidade prestamista, que não permite que o credor do falecido experimente prejuízo em razão da morte do devedor, pois este seguro visa indenizar o credor, quitando, na maioria dos casos, integralmente a dívida do falecido, ou seja, esta modalidade de seguro permite que um credor não precise se valer de meios constritivos para a obtenção de seu crédito, pois receberá diretamente da seguradora.

Diante do exposto, podemos concluir que a impenhorabilidade do seguro de vida não é previsão injusta ou cruel contra o credor, mas sim, uma forma de proteção para evitar a total derrocada da família do devedor, de seus sócios ou até mesmo de outros credores protegidos por seguro. Sendo assim, esta impenhorabilidade permite extensos benefícios, seja em sentido amplo: para a sociedade como um todo, uma vez que através do seguro transfere a responsabilidade à seguradora, evitando maior emprego de recursos do Estado para benefícios sociais, gera e mantém empregos, expande o conceito do seguro ao mercado, dentre outros benefícios, ou em sentido estrito: este seguro garante estabilidade financeira às famílias, mantendo o padrão de vida dos beneficiários até que possam se reerguer após a perda do segurado, na maioria das vezes, provedor do lar ou da empresa, tudo isto sem a preocupação de sofrer constrição no momento do recebimento do capital segurado.

LAÍS DOS SANTOS ROMANO
MEMBRO DA COMISSÃO DE PROCESSO CIVIL – OAB/SANTO ANDRÉ – SP

 

A Relativização do direito personalíssimo à indenização securitária por invalidez após o falecimento do segurado

A contratação de seguros em geral tem por finalidade a reposição de bens ou a indenização por prejuízo sofrido em decorrência de evento coberto pela apólice, gerando, portanto, estabilidade econômica ao segurado e/ou a sua família. No presente artigo, trataremos especialmente do seguro de acidentes pessoais com cobertura para invalidez.
A cobertura securitária para o evento da invalidez, constituída com a contratação do seguro e o pagamento regular do prêmio, objetiva com o recebimento de indenização de quantia certa, previamente acordada na apólice, a proteção financeira do segurado, bem como de sua família, nos casos que em razão de acidente coberto, o segurado vier a ficar impossibilitado de exercer suas atividades e desta forma comprometer seu orçamento familiar.
Neste sentido, tendo em vista o segurado estar vivo, caso haja discernimento, é dele o direito de pleitear junto à seguradora sua indenização, sendo este direito considerado de caráter personalíssimo.
No entanto, nos casos em que após a invalidez o segurado vier a falecer, embora, como citado anteriormente, a princípio o direito ao pleito da indenização ser considerado personalíssimo, constitui direito do espólio ingressar com o pedido por tal indenização, observado logicamente o período prescricional.
A legitimidade do espólio encontra guarida na previsão do artigo 943 do Código Civil (“O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”), uma vez que esta indenização securitária pela invalidez tem caráter patrimonial, passando, portanto, a integrar os bens deixados pelo “de cujus”, a serem partilhados entre os herdeiros.
A manutenção da atribuição de caráter personalíssimo à indenização por invalidez, mesmo após o falecimento do segurado, não parece razoável, seria contribuir para o enriquecimento sem causa da seguradora, tendo em vista que durante parte do período da vida do segurado ocorreu o desembolso de quantia para o pagamento do prêmio, visando a obtenção da indenização após a ocorrência de possível sinistro.
Cabível salientar que tal direito ao pedido da indenização pelo espólio permanece mesmo caso não tenha ocorrido pedido anterior realizado pelo próprio segurado, administrativamente, junto à seguradora, pois, exigir este pré-requisito seria desproporcional para aniquilar o direito ao recebimento da quantia pelos herdeiros.
Diversos são os julgados a respeito deste tema, nos quais do lado do segurador há a alegação do direito personalíssimo e de outro, por parte dos herdeiros do segurado, há a argumentação no sentido do caráter econômico da indenização securitária, porém, há precedente do STJ – Superior Tribunal de Justiça, no sentido de reconhecer a legitimidade do espólio para o pleito, rechaçando também os herdeiros que ingressam com pedido em nome próprio.
Importante acrescentar que a referida indenização por invalidez difere da indenização pelo evento morte, uma vez que esta, conforme previsão do artigo 794 do Código Civil, não constitui herança e não está sujeita às dívidas do segurado falecido, tendo em vista que o capital segurado é destinado aos beneficiários declarados na apólice, que não necessariamente são os herdeiros legais do segurado. Já no caso da invalidez, a indenização securitária integra o patrimônio hereditário, uma vez que esta quantia seria destinada diretamente ao segurado. Desta forma, o mencionado crédito está sujeito às dívidas do falecido, à partilha.
Diante do exposto, podemos concluir pela necessidade da relativização do direito personalíssimo atribuído às indenizações destinadas ao próprio segurado, em casos em que há o falecimento deste, trazendo, portanto, razoabilidade diante da contratação do seguro, do objetivo do segurado no momento da contratação e ao longo da relação contratual, do pagamento do prêmio, bem como na prevenção do enriquecimento sem causa do segurador no caso de entendimento diverso.

LAÍS DOS SANTOS ROMANO
MEMBRO DA COMISSÃO DE PROCESSO CIVIL – OAB/SANTO ANDRÉ – SP

Planos de saúde- Estado x seguradoras

Quais são as responsabilidades do Estado e quais as das seguradoras?

 Tenho verificado, pelo menos na minha experiência profissional, o crescente número de reclamações e desilusões experimentadas pelos segurados de planos de saúde.

No Brasil, por determinação constitucional, a saúde é obrigação do Estado (Constituição Federal, artigos 196 e 197), no entanto permite que empresas particulares o auxiliem nesta difícil missão (artigo 199). Surgem então os seguros de assistência à saúde, mais conhecidos como planos de saúde, que são regulados pela ANS – Agência Nacional de Saúde, órgão governamental que tem o dever de zelar pela política de comercialização e fiscalização do setor.

Importante salientar que, não cessa o dever do Estado, como maior provedor de acesso à saúde, o fato de alguém possuir seguro ou plano de assistência, até porque estes não garantem todos os procedimentos médicos. E por que a cobertura não é total?

Algumas situações médicas, mesmo ao detentor de plano de saúde, continuam sendo obrigações do Estado, como por exemplo: Segurados em período de carência, doenças pré-existentes, doenças congênitas, doenças não reconhecidas pelas autoridades competentes, intervenções não previstas no Rol de Procedimentos da ANS e até mesmo a própria inadimplência da seguradora.

Importante salientar ainda que, os procedimentos de pronto-socorro, seja por acidente pessoal ou doença, quando o paciente se dirige a um hospital público, mesmo tendo plano de saúde, é obrigação deste hospital atendê-lo. O segurado não pode ser deslocado prá lá e prá cá, simplesmente pelo motivo de possuir plano de saúde, precisa ser atendido onde estiver. Neste caso, posteriormente, o Estado poderá se ressarcir da seguradora deste paciente.

Em resumo, em se tratando de seguro de assistência à saúde, o que não é dever da seguradora é dever do Estado e o dever da seguradora também é dever do Estado, por este motivo detém o poder de fixar normas e políticas para o setor, tendo também o poder de credenciar e descredenciar seguradoras, fazendo tudo isto por meio da ANS. Portanto, se uma seguradora é inadimplente com os seus segurados, é dever do Estado descredenciá-la.

Frise-se que, a operação de seguro saúde é bastante complexa, não se trata simplesmente do preenchimento de uma proposta, não é um produto de prateleira, são 50.000.000 de segurados em todo o Brasil, ajuda a aliviar a tão combalida saúde pública, se de uma hora para outra as seguradoras deixassem de existir, simplesmente o sistema de saúde  implodiria.

Por todo o exposto, é necessário o entendimento de que precisa haver equilíbrio de interesses e obrigações na relação segurado / seguradora, isto o Estado faz, tanto que apesar de reclamações o setor subsiste, lógico que existem problemas, porém sanáveis, muitos destes provocados por políticas inadequadas, aquelas que tentam passar para o setor privado a obrigação estatal,  do que propriamente pelas seguradoras do setor.

O importante é sempre se socorrer das informações de dois profissionais, o  advogado especializado e o corretor de seguros, legalmente habilitado. Geralmente quem age desta forma pouco tem a reclamar, pois entendeu o que adquiriu, não nutriu falsas expectativas e sabe muito bem o que seu plano de saúde pôde ou pode oferecer.